quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

KOINONITE

KOINONITE


Koinonia é comunhão. É o que se via claramente na Igreja de Atos. Comiam juntos de casa em casa, perseveravam na doutrina, conquistavam almas para o Reino. Eram todos uma grande família, tinham tudo em comum... Ficamos felizes quando nos sentimos assim. Sentimo-nos vitoriosos. Mas, de certa maneira aí reside um perigo: o perigo das conquistas que está justamente no fato de poder provocar na vida daquele que conquistou, um sentimento tão grande de satisfação, que o faça acomodar diante dos demais desafios.
Peter Wagner, em seu livro “A Igreja Saudável”, identifica esse problema chamando-o de KOINONITE, uma espécie de inflamação da Koinonia, isto é uma acomodação com o que se tem em detrimento daquilo que ainda está para ser conquistado. É como se persistisse o sentimento de Pedro no Monte da Transfiguração: “Senhor aqui está tão bom, deixe que façamos uma cabana para Ti, outra para Moisés e outra para Elias.” Só que não poderiam ficar ali, tinham que sair e fazer a vontade do Pai: “Ide por todo o mundo”. Irmãos a lição que fica para nós é sobre a necessidade de prosseguirmos em frente, sem se acomodar, mas buscar crescimento em Deus. Precisamos traçar um projeto para este novo ano para que seja um ano sem igual:
1) Não podemos perder o alvo (Fp 3:13,14), que é cumprir a vontade de Deus, evangelizar, contribuir com a Igreja com o Reino. Nosso alvo é dar o nosso melhor para Deus, é falar a toda gente sobre nosso Salvador, é querer mais de Deus e dar mais para Deus;
2) Não podemos desanimar jamais, mas devemos ser fervorosos, trabalhadores, dispostos, crescendo sempre, sendo servos úteis para Deus e para nossos irmãos, é sermos bons soldados que não se embaraçam com negócios desta vida a fim de agradar aquele que nos arregimentou: o Senhor dos exércitos;
3) Não podemos perder a fé, pois ela nos leva a fidelidade, à comunhão, ao amor fraternal. É ver com o olhos de Deus. É acreditar que se pode ir mais longe do que naturalmente se espera ir. É acreditar mesmo contra todas as circunstâncias e ver o que se sonha como se já existisse.
Concluimos dizendo que está tudo realmente muito bom mas pode melhorar se houver empenho, dedicação e amor. Quem nos acompanha?

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Microfísica do poder

Resenha: Microfísica do Poder

Michel Foucault nasceu em Poitiers, França em 15 de outubro de 1926, e faleceu em Paris em 26 de junho de 1984. Foi filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France desde 1970 a 1984. Seus primeiros trabalhos foram: História da Loucura, O Nascimento da Clínica, As Palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber, além dessas obras que seguia uma linha estruturalista, tiveram também Vigiar e Punir e História da Sexualidade que não o impedio de ser considerado pós-estruturalista.

O livro Microfísica do Poder de Michel Foucault organizado por Roberto Machado (Doutor em filosofia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica e estagiário do "Collège de France", sob a orientação de Michel Foucault, entre 1973 e 1980), contém transcrições dos cursos ministrados no Collège de France, artigos, debates e várias entrevistas que auxiliam na introdução ao pensamento de Foucault.
Esta obra explicita como os mecanismos de poder são exercidos fora, abaixo e ao lado do aparelho de Estado. Assim como, mostra-nos a relação de poder e saber nas sociedades modernas com objetivo de produzir “verdades” cujo interesse essencial é a dominação do homem através de praticas políticas e econômicas de uma sociedade capitalista.
No capítulo Verdade e Poder Foucault explica que a verdade é produto de várias coerções causadoras de efeitos regulamentados de poder. “Parece-me que o que deve se levar em consideração no intelectual não é, portanto, ‘o portador de valores universais’, ele é alguém que ocupa uma posição específica, mas cuja especificidade está ligada às funções gerais do dispositivo de verdades em nossa sociedade” (Foucault: 13). Ou seja, ele coloca a questão do papel do intelectual na sociedade como sendo uma espécie de produtor das “verdades”, dos discursos vindo de uma classe burguesa a serviço do capitalismo, que persuade uma sociedade alienada pelo domínio surgido de uma condição de vida estruturada a qual lhes davam total respaldo para o exercício de poder.
Como exemplo de instituições que a princípio foram construídas com o objetivo de excluir uma parte da sociedade no século XVII, Foucault utiliza o hospital, lugar que ao invés de ser aproveitado para a prática de cura das doenças, eram depositados os pobres doentes, prostitutas, os loucos e todos que representavam ameaça para a sociedade burguesa. Quem detinha o poder dessas instituições eram os religiosos e leigos em medicina que ficavam no hospital para fazer caridade e garantir a salvação eterna aos indivíduos lá depositados.
Até o século XVIII, as visitas médicas hospitalares eram feitas de forma irregular, pois, os religiosos concebiam o espaço para impor somente a ordem religiosa e não como um espaço para a cura das enfermidades, o médico nada podia fazer para ajudar essas pessoas, eles também estavam sob a dependência do pessoal religioso, e podiam ser despedidos caso descumprissem a ordem.
Nas análises sobre as questões relacionadas à psiquiatria Foucault relata como as instituições a princípio foram locais reservados para a diminuição do poder dos indivíduos capazes de enxergar o que acontecia com relação a dominação da prática da psiquiatria e de outras instituições e mecanismos do saber, onde pessoas eram praticamente abandonadas em um determinado local à arbitrariedade dos médicos e enfermeiros, os quais podiam fazer delas o que bem entendesse, sem que houvesse a possibilidade de apelo. Neste capítulo o leitor que teve o prazer de ler O Alienista de Machado de Assis, pode comparar as varias semelhanças de uma obra fictícia de uma obra com análises da realidade como Microfísica do Poder. Em O Alienista, Machado de Assis traz como tema a “loucura”, enfocada de uma forma que acaba por dissuadir todas as consciências consideradas normais e por questionar a própria condição humana. Machado procura apontar como as pessoas consideradas “anormais” por uma parte da sociedade, eram colocadas em um asilo para loucos onde os personagens se tornavam objetos de experiência científica.
“A característica dessas instituições é uma separação decidida entre aqueles que têm o poder e aqueles que não o têm” (Foucault: 124). A importância de uma transformação na reorganização arquitetônica dessas instituições hospitalares no século XVIII, de acordo com Foucault, só houve devido às questões políticas e econômicas que circundavam a sociedade francesa e européia. Essa reorganização se situou em torno das relações de poder, ou seja, os médicos passaram a exercer o poder dentro da instituição e fora dela. Como produtor da verdade, passavam a persuadir as pessoas no intuito de controlá-las e neutralizá-las para exercer poder sobre a sociedade.
Da mesma forma que as instituições hospitalares, a prisão deveria ser construída para servir de instrumento de transformação do indivíduo, mas não foi o que aconteceu. Foucault explica que a prisão passou ser um local de fabricação de mais criminosos, utilizada como estratégia também de domínio econômico. Para ele esse poder que era exercido nas instituições, era um feixe de relações mais ou menos organizadas, mais ou menos piramidalizadas, mais ou menos coordenadas. Que arriscavam dirigir a consciência e tentavam injetar na sociedade discursos persuasivos que indicavam quem exercia o poder e quem o acatava. Existia uma pirâmide do sistema que se fazia construir a possibilidade de manter esta relação de poder.
Além das instituições, existia um local todo gradeado e aberto aos olhos de somente um indivíduo, onde a sociedade era posta para exercer suas atividades como trabalhar, estudar e manter suas relações pessoais em grupo, sem que as instituições mantenedoras do poder não deixasse de saber o que estava acontecendo com cada indivíduo, tentando convencer a sociedade de que esta prisão era somente para resolver os problemas de vigilância e manter todos seguros.
Esta obra de Foucault possibilita que o leitor faça uma análise do que ocorreu e continua ocorrendo em nossa nação, cujo poder continua centralizado nas mãos de uma pequena parte da sociedade, que se utiliza de instituições e organismos para manipular, persuadir e neutralizar a grande massa para a manutenção de mecanismos que impossibilite a sua ascensão social. Para ficar mais clara a comparação sobre a sociedade que
Foucault expõe em Microfísica do Poder e a sociedade atual, basta o leitor ler o livro de Néstor García Canclini, Latino-americanos à procura de um lugar neste século, que fala sobre como os EUA através da globalização, vem exercendo um poder dominador, bloqueando o acesso ao desenvolvimento dos países latino-americanos, aumentando ainda mais as mazelas existentes no mundo de forma geral.
No decorrer de cada capítulo Foucault cita alguns pensadores como Freud, Nietzsche e Marx e algumas de suas obras como Vigiar e Punir, As Palavras e as Coisas, Arqueologia do Saber, A Vontade de Saber, que acaba estimulando o leitor a conhecer um pouco mais sobre o que está escrito em cada livro e sobre cada pensamento articulado que complementa a obra.
Em suma, é uma obra de absoluta importância para estudantes de qualquer graduação que busca um comprometimento com a profissão e com a sociedade. Pois, ajuda a melhorar e elucidar o conhecimento sobre as mazelas impregnadas no nosso país e no mundo.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

JARDIM


Jardim




Um amigo me disse que o poeta Mallarmé tinha o sonho de escrever um poema de uma palavra só. Ele buscava uma única palavra que contivesse o mundo. T.S. Eliot no seu poema O Rochedo tem um verso que diz que temos "conhecimento de palavras e ignorância da Palavra". A poesia é uma busca da Palavra essencial, a mais profunda, aquela da qual nasce o universo. Eu acho que Deus, ao criar o universo, pensava numa única palavra: Jardim! Jardim é a imagem de beleza, harmonia, amor, felicidade. Se me fosse dado dizer uma última palavra, uma única palavra, Jardim seria a palavra que eu diria."(Clique aqui para você ler um texto sobre jardins)

Depois de uma longa espera consegui, finalmente, plantar o meu jardim. Tive de esperar muito tempo porque jardins precisam de terra para existir. Mas a terra eu não tinha. De meu, eu só tinha o sonho. Sei que é nos sonhos que os jardins existem, antes de existirem do lado de fora. Um jardim é um sonho que virou realidade, revelação de nossa verdade interior escondida, a alma nua se oferecendo ao deleite dos outros, sem vergonha alguma... Mas os sonhos, sendo coisas belas, são coisas fracas. Sozinhos, eles nada podem fazer: pássaros sem asas... São como as canções, que nada são até que alguém as cante; como as sementes, dentro dos pacotinhos, à espera de alguém que as liberte e as plante na terra. Os sonhos viviam dentro de mim. Eram posse minha. Mas a terra não me pertencia.



O terreno ficava ao lado da minha casa, apertada, sem espaço, entre muros. Era baldio, cheio de lixo, mato, espinhos, garrafas quebradas, latas enferrujadas, lugar onde moravam assustadoras ratazanas que, vez por outra, nos visitavam. Quando o sonho apertava eu encostava a escada no muro e ficava espiando.

Eu não acreditava que meu sonho pudesse ser realizado. E até andei procurando uma outra casa para onde me mudar, pois constava que outros tinham planos diferentes para aquele terreno onde viviam os meus sonhos. E se o sonho dos outros se realizasse, eu ficaria como pássaro engaiolado, espremido entre dois muros, condenado à infelicidade.

Mas um dia o inesperado aconteceu. O terreno ficou meu. O meu sonho fez amor com a terra e o jardim nasceu.

Não chamei paisagista. Paisagistas são especialistas em jardins bonitos. Mas não era isto que eu queria. Queria um jardim que falasse. Pois você não sabe que os jardins falam? Quem diz isto é o Guimarães Rosa: "São muitos e milhões de jardins, e todos os jardins se falam. Os pássaros dos ventos do céu - constantes trazem recados. Você ainda não sabe. Sempre à beira do mais belo. Este é o Jardim da Evanira. Pode haver, no mesmo agora, outro, um grande jardim com meninas. Onde uma Meninazinha, banguelinha, brinca de se fazer Fada... Um dia você terá saudades... Vocês, então, saberão..." É preciso ter saudades para saber. Somente quem tem saudades entende os recados dos jardins. Não chamei um paisagista porque, por competente que fosse, ele não podia ouvir os recados que eu ouvia. As saudades dele não eram as saudades minhas. Até que ele poderia fazer um jardim mais bonito que o meu. Paisagistas são especialistas em estética: tomam as cores e as formas e constróem cenários com as plantas no espaço exterior. A natureza revela então a sua exuberância num desperdício que transborda em variações que não se esgotam nunca, em perfumes que penetram o corpo por canais invisíveis, em ruídos de fontes ou folhas... O jardim é um agrado no corpo. Nele a natureza se revela amante... E como é bom!

Mas não era bem isto que eu queria. Queria o jardim dos meus sonhos, aquele que existia dentro de mim como saudade. O que eu buscava não era a estética dos espaços de fora; era a poética dos espaços de dentro. Eu queria fazer ressuscitar o encanto de jardins passados, de felicidades perdidas, de alegrias já idas. Em busca do tempo perdido... Uma pessoa, comentando este meu jeito de ser, escreveu: "Coitado do Rubem! Ficou melancólico. Dele não mais se pode esperar coisa alguma..." Não entendeu. Pois melancolia é justamente o oposto: ficar chorando as alegrias perdidas, num luto permanente, sem a esperança de que elas possam ser de novo criadas. Aceitar como palavra final o veredicto da realidade, do terreno baldio, do deserto. Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade. Mais do que isto: é compreender que a felicidade só voltará quando a realidade for transformada pelo sonho, quando o sonho se transformar em realidade. Entendem agora por que um paisagista seria inútil? Para fazer o meu jardim ele teria que ser capaz de sonhar os meus sonhos...

Sonho com um jardim. Todos sonham com um jardim. Em cada corpo, um Paraíso que espera... Nada me horroriza mais que os filmes de ficção científica onde a vida acontece em meio aos metais, à eletrônica, nas naves espaciais que navegam pelos espaços siderais vazios... E fico a me perguntar sobre a perturbação que levou aqueles homens a abandonar as florestas, as fontes, os campos, as praias, as montanhas... Com certeza um demônio qualquer fez com que se esquecessem dos sonhos fundamentais da humanidade. Com certeza seu mundo interior ficou também metálico, eletrônico, sideral e vazio... E com isto, a esperança do Paraíso se perdeu. Pois, como o disse o místico medieval Angelus Silésius:


Se, no teu centro
um Paraíso não puderes encontrar,
não existe chance alguma de, algum dia,
nele entrar.

Este pequeno poema de Cecília Meireles me encanta, é o resumo de uma cosmologia, uma teologia condensada, a revelação do nosso lugar e do nosso destino:

"No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, urna violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de urna borboleta."

Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim. Resumo de uma utopia. Programa para uma política. Pois política é isto: a arte da jardinagem aplicada ao mundo inteiro. Todo político deveria ser jardineiro. Ou, quem sabe, o contrário: todo jardineiro deveria ser político. Pois existe apenas um programa político digno de consideração. E ele pode ser resumido nas palavras de Bachelard: "O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso." (O retorno eterno, p 65).