quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Evangelho de Nárnia

Bibliografia: Greggersen, Gabriele, ed. O Evangelho de Nárnia: Ensaios para Decifrar C. S. Lewis. São Paulo: Vida Nova, 2006.

Sinopse: “Eis um autor capaz de gerar sentimentos tão antagônicos. Mas não precisamos ficar nessa dicotomia de amor e ódio. Precisamos, sim, entende-lo. E essa é a proposta desta publicação. O Evangelho de Nárnia é uma obra para todos os que querem refletir e aprofundar distintos aspectos da cosmovisão de C. S. Lewis.

“Este livro é uma tentativa de gerar no leitor o desejo de conhecer mais esse autor inteligente e empolgante. E para isso, um time de primeira linha foi reunido a fim de expor diferentes aspectos do pensamento desse intelectual irlandês que continua a influenciar gerações.

“Você conhecerá o Lewis educador e sua visão sobre a educação e o papel dos contos de fada no processo de aprendizado. Além de educador, Lewis era também um pensador cristão, e aqui você verá o que o “teólogo” Lewis, ao mesmo tempo polêmico e instigante, pensava sobre a oração e a doutrina da expiação.

“Escrito em primeiro lugar para quem conhece algo a respeito de C. S. Lewis, este livro também será extremamente útil para os que desejam conhecer o pensamento e trajetória literária desse escritor que conquistou não apenas a estante de muita gente, mas também as telas de cinema do mundo inteiro com a exibição do filme As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa.

“Convidamos você a ir além do guarda-roupa a fim de conhecer um mundo novo, o mundo de C. S. Lewis” (Contracapa.).

Comentário: Apesar do título principal, esse livro não trata exclusivamente dos ensinos cristãos subjacentes a série de livros infanto-juvenis, As Crônicas de Nárnia, escrita por C. S. Lewis. Na verdade, é uma série de ensaios sobre vários aspectos da obra de Lewis.

No primeiro capítulo, “Um Convite para Ler C. S. Lewis,” escrito por Ricardo Quadros Gouvêa, faz um apanhado geral das obras de Lewis, mais ou menos de maneira cronológica e dando dicas para o leitor de suas obras mais relevantes na ficção, apologia e teologia. É um bom artigo introdutório para que o leitor tenha contato com as áreas nas quais Lewis escreveu e não se perder em meio a tantos títulos.

O mais teológico dos ensaios é o segundo, “A Doutrina da Expiação em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa,” escrito por Carlos Caldas. Nesse capítulo, o autor elenca algumas “teorias” da expiação, modelos pelos quais os teólogos, ao longo da história do cristianismo, entenderam o que aconteceu na cruz. O Dr. Caldas, então, compara o aparente modelo de expiação que transparece neste volume da série As Crônicas de Nárnia e chega a conclusão de que Lewis, talvez influenciado por sua área de estudo acadêmico, a literatura medieval, tenha imprimido nessa obra a teoria do resgate, que vê a expiação como uma transação entre Deus e Satanás. Excelente artigo sobre este aspecto da teologia evocado pelas cenas centrais de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa.

O terceiro capítulo, “O Sentido dos Contos de Fadas,” foi escrito pela organizadora, Gabriele Greggersen. Ela trata da questão do conto enquanto veículo de verdades universais. Depois de uma introdução um pouco densa discutindo as questões da definição de conto em relação ao mito e outros tipos de literatura, a autora faz um resumo de um artigo de Tolkien sobre a função do conto de fadas. Em seguida, ela faz um estudo dirigido, baseado no modelo T. A. T. (thematic apperception test) levemente alterado (ao invés de basear-se nos valores de Maslow, a autora se baseia nos motivos éticos de Aristóteles – justiça, fortaleza, temperança e prudência) de como as histórias contadas em As Crônicas de Nárnia veiculam esses valores.

Andreiv Kalupniek escreveu o quarto capítulo, “A Lei Moral e a Educação.” Nele, o autor destaca que, apesar de ser um educador, Lewis não escreveu muito sobre o assunto. Mas nas ocasiões em que o fez, especialmente no livro A Abolição do Homem, C. S. Lewis ressalta que a educação deve ressaltar os valores morais básicos do ser humano, a lei moral. Bom artigo introdutório sobre o papel da educação na visão de Lewis.

No quinto capítulo, “Uma Abordagem Linguística de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa,” escrito por Nataniel dos Santos Gomes, trata, essencialmente, das diferenças entre algumas edições da série As Crônicas de Nárnia. Antes, porém, o autor faz rápidas considerações sobre as possíveis ordens nas quais os livros da série podem ser lidos, sobre Lewis e sobre a recepção que essa obra teve, principalmente por transmitir valores cristãos através de criaturas míticas pagãs. Por fim, o autor dá uma breve lista de temas cristos que ocorrem em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa.

O último capítulo, escrito também por Gabriele Greggersen, “O Sentido da Oração,” trata quase que exclusivamente da abordagem de C. S Lewis ao tema da oração, conforme seu livro Letter to Malcolm: Chiefly on Prayer.

O livro como um todo é uma boa introdução ao mundo de C. S. Lewis, não exclusivamente o mundo fantástico de Nárnia, mas a Lewis enquanto autor, educador e teólogo. Eu mesmo esperava que todos os capítulos fossem primariamente baseados na série As Crônicas de Nárnia. Contudo, trouxe para mim outros aspectos de sua obra, especialmente sua trilogia espacial, cujo primeiro volume acaba de recentemente ser produzido pela editora Martins Fontes, Além do Planeta Silencioso.
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As parteiras hebréias mentiram ao Faraó?

Pergunta: As parteiras hebréias mentiram ao Faraó? Como, pois, elas foram abençoadas por Deus?

Resposta: O texto que suscita essa pergunta é Êxodo 1:15-22 (tire um tempo e leia o texto em sua Bíblia). Em sua segunda tentativa de aniquilar os hebreus, Faraó chama Sifrá e Puá, parteiras hebréias, e lhes manda que, ao ajudarem no parto, verifiquem se a criança é do sexo masculino ou feminino. Se fosse menina, poderia ser deixada viva; se fosse, porém, menino, deveria ser morto. É dito que as parteiras “temeram a Deus” e não fizeram o que Faraó ordenara. Ao serem interrogadas pelo monarca, as parteiras apresentaram sua desculpa para o crescimento da população masculina entre o povo israelita: disseram que as mulheres hebréias, por serem fortes, conseguiam dar à luz antes mesmo de sua chegada (o que, para alguns, constitui-se numa mentira, embora o texto bíblico não deixe isso claro). Em seguida, o texto conta como estas parteiras foram abençoadas de maneira especial por Deus e o novo plano de Faraó para aniquilar os meninos hebreus.

Muitos têm reputado a resposta das parteiras como mentira e se perguntado como Deus pôde concordar com sua conduta abençoando-as. Gostaria de propor uma solução para este aparente problema com base em minha pesquisa sobre o assunto.

A população hebraica era mui numerosa, sendo esse um dos motivos para a perseguição iniciada por Faraó (Êxodo 1:9). Duas parteiras dariam conta do recado? O texto diz que Faraó chamara as parteiras hebréias das quais uma se chamava Sifrá e outra Puá. Portanto, havia outras parteiras. A política egípcia se organizava de tal maneira que cada setor da sociedade possuía um ou mais superintendentes. Faraó lidava com essas pessoas e não com todos os indivíduos de uma determinada classe. Assim, ao chamar Sifrá e Puá, o Faraó estava chamando as líderes de um grupo maior.

É importante estabelecer esse fato, pois alguns comentaristas sugerem que a desculpa das parteiras seria plausível dado o fato de que eram apenas duas parteiras para todas as mulheres israelitas. Contudo, este não é o caso, conforme o texto deixa claro.

O verso 17 dá a motivação para a atitude das hebréias: elas temeram a Deus. Em outras palavras, sua atitude foi igual à de Pedro e os discípulos quando confrontados pelo Sinédrio para que não falassem sobre Jesus (Atos 5:29). Obedecer a Deus era mais importante, para Sifrá e Puá, do que obedecer ao Faraó.

Além disso, o verso 17 diz que elas não fizeram como o Faraó ordenara. Ou seja, fizeram outra coisa, menos obedecer ao monarca. Minha proposta é que leiamos o restante do texto à luz dessas duas premissas: o temor das parteiras e sua atitude de não conformidade com a ordem de Faraó.

Os versos 18 e 19 mostram Faraó confrontando as parteiras e a resposta que lhe foi dada. Podemos notar que não há indicação no texto de que o relato das parteiras fosse reputado como mentira: era perfeitamente plausível que antes que alguma parteira chegasse, o trabalho de dar a luz já tivesse ocorrido sem sua ajuda.

Minha proposta é que vejamos a resposta de Sifrá e Puá como uma explicação real para seu procedimento. Dado que o texto informa que elas tomaram outra atitude que não aquela esperada pelo rei, é possível que, ao invés da ajudar as parteiras hebréias no trabalho de parto, elas tenham se eximido de fazê-lo ou demorado em atender aos pedidos de ajuda para que as crianças nascessem sem sua supervisão.

É claro, nem todos concordam (ou concordarão) comigo. Se entendermos que as parteiras mentiram, resta ainda o fato de que o texto não diz que elas foram abençoadas porque cometeram um pecado menor (mentir) do que um maior (matar). O verso 21 destaca que elas foram abençoadas porque “temeram a Deus.” A ênfase no texto está na disposição destas mulheres em reverenciar o verdadeiro Deus, não a Faraó. Em outras palavras, poderíamos dizer que Deus as abençoou apesar de terem mentido. Talvez, o maior exemplo disso seja o autor deste texto: tenho recebido muitas bênçãos de Deus, não porque escolhi obedecer em alguns pontos e noutros não, mas porque, apesar das minhas falhas, Ele ainda me ama e quer o melhor pra mim.

Marlon Miranda - Pather Hemon

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Lia e Seus “Olhos de Ressaca “

Lia e Seus “Olhos de Ressaca “

Estava fazendo meu ano bíblico esses dias e me deparei com os seguintes versos (Almeida Revista e Atualizada): “Ora, Labão tinha duas filhas: Lia, a mais velha, e Raquel, a mais moça. Lia tinha os olhos baços, porém Raquel era formosa de porte e de semblante” (Gênesis 29:16-17). Lembro-me de, na infância, ver a gravura das duas irmãs aqui citadas: Raquel com um semblante normal e Lia com um leve estrabismo, na tentativa de captar a descrição dos versos. Isso sempre me incomodou. Será mesmo que Lia tinha os olhos assim?

temos poucas informações sobre a pessoa de Lia. Dos 32 versos que a citam, apenas Gênesis 29:17 é realmente uma descrição dela. Inferimos pouco sobre o seu caráter dos outros versos, pois, na maioria deles, é descrita sua luta pelo amor de Jacó e seu método (partilhado por sua irmã) nada frutífero. Mas nós podemos ter algumas outras pistas sobre a pessoa de Lia nestes dois versos.As duas irmãs são diferenciadas por três fatores: pela idade, pelo nome, e pela relativa beleza de cada uma.Normalmente, ao citar uma série de irmãos, a Bíblia usa a fórmula “o primeiro,” “o segundo” e assim por diante. Mas nesse caso, elas são diferenciadas por “a mais velha” e a “mais moça,” introduzindo já a fórmula usada por Labão para enganar Jacó.

A origem do nome de Raquel é bem estabelecida. רָהֵל (rahel) significa “ovelha,” em oposição ao carneiro, ou seja, “ovelha fêmea.” O nome de Raquel, na história, também reporta à sua ocupação como pastora de ovelhas. Já o nome de Lia é um pouco mais complicado. Os comentaristas se dividem quanto à origem do seu nome. Alguns, como Gesenius, ligam o nome de Lia ao verbo לָאָה (la’ah) que significa estar cansado, estar exausto, nome de Lia significa “vaca selvagem” , pode ter se derivado do acadiano ou do árabe. Para muitos, o significado do nome de Lia pode ter reforçado a interpretação de que seus olhos eram “fracos.” Contudo, se seu nome está ligado ao significado de “vaca selvagem,” há uma espécie de jogo de palavras ao descrever as duas irmãs, cada uma com o nome de um animal doméstico.

Por fim, temos a descrição da beleza relativa de cada uma das irmãs. Lia é descrita, segundo a ARA, como tendo os “olhos baços.” A palavra traduzida por “baços” é רַכּוֹת (rakkot), plural de רָךְ (rak), significa gentil, tenro, fraco, incapaz, inexperiente, delicado, terno, frágil, sensível, tímido, brando. Talvez, motivados pelo significado aparente do nome Lia, muitos tradutores viram este adjetivo como um reforço à idéia de que ela tinha olhos baços, inexpressivos, cansados. Em contrapartida, Raquel é descrita como “formosa de porte e de semblante.”

Dado o escopo semântico de rak, temos, na verdade, várias possibilidades de interpretação. Se ao invés de baços, traduzirmos rakot como delicados (ou mimoso, como ocorre em Deuteronômio 28:54 e 56), a ênfase seria de que Lia só possuía atrativos em seus olhos, ao passo que Raquel era formosa tanto de corpo como de rosto.Se continuarmos com a interpretação depreciativa, traduzindo rakot por sensíveis, ou frágeis, a ênfase seria de que Lia tinha apenas algum tipo de defeito nos olhos. Ou nem isso. Os olhos tinham de ser chamativos, atrativos, com faíscas, para que uma mulher fosse considerada bonita,sim, pode ser que o único defeito visível de Lia fossem seus olhos mais apagados, não tão vivazes quanto os de sua irmã. Talvez, ela tivesse os tais “olhos de ressaca” dos quais Machado de Assis tanto falara. Contudo, tais olhos não chamaram a atenção de Jacó.

Mesmo que não lhe tivesse cativado, Lia foi a maior responsável pelo cumprimento das promessas feitas a ele por Deus. O Senhor prometera a Jacó que as promessas feitas a Abraão e a Isaque se cumpririam através dele. Ele seria fecundo e pai de muitas nações. Raquel, com toda a sua beleza, era estéril. Lia, apesar de seu “defeito”, era fecunda, e foi mãe de seis tribos em Israel, entre as quais Judá, a linhagem real de onde descendeu Jesus Cristo, e Levi, linhagem sacerdotal responsável pela manutenção espiritual do povo escolhido. Raquel foi enterrada à beira do caminho; Lia foi enterrada ao lado de Abraão, Sara, Isaque e Rebeca no jazigo especial dos patriarcas em Macpela (Gênesis 49:22-32). Ela também foi responsável pela edificação de Israel (Rute 4:11).

Muitos acham terrível o engano perpetrado por Labão ao obrigar Jacó a se casar com alguém que ele não amava. Todavia, tal atitude deve ser observada em vista do engano de Jacó diante de seu pai. Isso, é claro, não desculpa o procedimento de Labão, mas Deus permitiu que isso ocorresse para que o patriarca pudesse sentir sobre si os efeitos da mentira.Além disso, se Jacó tivesse aceitado o casamento com Lia, que segundo a Bíblia foi inteiramente consumado (Gênesis 29:23), sem ter se entregado à bigamia (e depois a poligamia), ele teria muito mais paz em sua vida. Contudo, as constantes brigas entre as irmãs e, posteriormente, entre os filhos, fez com que a avaliação de sua vida fosse “poucos e maus foram os dias dos anos da minha vida” (Gênesis 47:9). Inclusive, a legislação judaica posterior, em vista da experiência de Jacó, não permitia o casamento de duas irmãs com o mesmo homem enquanto ambas estivessem vivas.

Depois de todo o meu estudo, algumas reflexões me vieram a mente. Primeiro, cada vez mais precisamos nos aprofundar na Palavra de Deus e cuidar para interpretá-la com sadios princípios hermenêuticos. A imagem de uma Lia estrábica, depois deste estudo, para mim, pertence apenas àquelas imagens de infância que a gente tenta colocar num lugar esquecido da memória por se tratar de uma ilusão de ótica. A meu ver, Lia era tão bela que Jacó não conseguiu distinguir-lhe a beleza. Raquel o cativou com o que minha esposa costuma rotular como “beleza óbvia.” Faltou esforço da parte de Jacó para perceber a outra beleza de Lia, indistinguível a olho nu.

Segundo, muitos hoje cometem o mesmo erro de Jacó. Deslumbram-se com a beleza aparente de uma pessoa e se esquecem de pesquisar-lhe o caráter. Levados pela ditadura da beleza, que em todas as épocas e culturas teve suas próprias regras tão voláteis como a direção do vento, muitos se encantam com o invólucro e nem suspeitam do conteúdo. Entregam-se ao fascínio do exterior e se esquecem de perscrutar os recônditos do caráter de sua pretendente.

Por fim, por mais probantes que sejam as circunstâncias, por mais que sejamos colocados em situações desagradáveis, sempre vale a pena seguir a vontade de Deus. Mesmo que fosse fruto de um engano terrível, o casamento de Jacó com Lia teria sido abençoado pelo Senhor de maneiras inimagináveis. Os mandamentos de Deus são claros o suficiente para que nós os obedeçamos de maneira a ter uma consciência limpa diante do Altíssimo e sermos aptos a receber dEle bênçãos sem medida.